Uma das minhas grandes divas, da qual sou tiete, leio e coleciono tudo, é a dançarina e cantora dos anos 20 e 30, Josephine Baker. A vida da Pérola Negra, como ficou conhecida, era sempre o fio condutor para eu iniciar minhas aulas de história da moda na década de 20 em meu curso de Extensão em Produção de Moda no Senai Cetiqt, falando sobre esta personalidade e de como ela quebrou tabus, podia traçar um panorama de uma década que seria revolucionária para a mulher e para a moda.
Particularmente, eu também tenho em minha vida uma Pérola Negra, rara e especial, a minha amiga de infância e de toda vida, uma irmã de alma, Clau a EZUBERANTE (como eu costumo chamar devido ao seu caráter singular e a grafia com Z é proposital, uma brincadeira nossa).
É claro que Cláudia (ou Claudinha como muitos amigos a chamam) não dança Charleston semi nua em público, nem muito menos canta “blue sky”, “j’ attendrai” ou “don’t my tomatoes” e muito menos teve as experiências de vida de Josephine Baker mas como ela, minha amiga é uma mulher à frente do seu tempo com olhos lindos, expressivos, cheios de vida, janelas para sua alma maravilhosa .
Recado: !Cláudia Basílio yo te amo!... e chega de ” babação” por hoje. Até porque esse “post” é em homenagem à você, ao meus tios de quem falarei abaixo e a Josephine Baker, que cantava melhor do que você. Não é só uma homenagem única e sim aos quatro. As 2 pérolas negras de minha vida,uma diva intangível a Josephine e outra tangível que é você, e aos meus tios, evidentemente.
Mas voltando à Pérola Negra do início do século passado ... esse meu fanatismo vem muito antes de eu sonhar em trabalhar com moda e lembro-me do meu primeiro contato com Mrs. Baker como se fosse hoje.
Quando eu era criança - meio “ little nerd” assumo - meu maior divertimento nas férias era ir para a casa de meus tios, meus segundos pais, Tia Gleice e Tio Almir de Oliveira.
Com Tia Gleice tive os primeiros contato com a moda, ela era estilista e possuía um atelier em sua casa; com meu Tio Almir de Olveira, historiador e amante da boa música, um dos homens mais inteligentes e cultos que conheci ate hoje, tive os primeiros contatos com a música clássica, com o jazz e adquiri o gosto pela leitura.
Ao invés de brincar com meus primos na parte externa da casa (todos os sobrinhos do casal adoravam ir para lá devido à paciência deles e ao tamanho do casa) eu me alternava sem parar entre dois lugares: ora ficava no atelier de minha tia e a observava com seu moldes e costuras; ora na biblioteca de meu tio, uma sala de móveis negros do século XIX, com amplas janelas e repletas de estantes e livros. Nesse local eu tinha a liberdade de fuçar em tudo, um privilegio de sobrinho nerd que os demais não tinha e que eu adorava usar contra os demais ( coisas de criança chatinha e CDF). Tio Almir aliás me aconselhava a mexer em todas aquelas obras e se tivesse dúvidas de algo que o perguntasse.
Um dia eu e meus óculos fundo de garrafa transition da bausch & lomb , em formato de farol de “caravan”( como meus primos chamavam meu fiel e pavoroso instrumento óptico, que minha mãe jurava serem os melhores para a minha foto fobia e miopia) nos deparamos com um livro sobre mulheres que mudaram a historia no século XX . Folheando o exemplar me deparei com uma foto que me chamou atenção, uma mulher linda de cabelos curtos e olhos expressivos ao lado de um leopardo, comecei então a ler sua pequena e resumida biografia. Terminada a breve leitura perguntei ao meu tio se existia algo mais sobre ela. Ele sorriu e falou : Ela era cantora sabia? Tenho aqui algum disco de Jazz com ela cantando e outros livros com mais coisas sobre ela.
Ouvindo “J’ai deux amours”, maior sucesso da cantora e lendo mais sobre sua vida e vendo fotos em diversos livros , fui me encantando e a partir daí começou o meu fascínio por Josephine Baker.
Poucos anos depois, com 12 mais precisamente, conheci no colégio onde estudava,uma garota que estava sempre sorridente, levada, debochada, amiga de todos,de beleza singular e possuidora dos olhos mais vivos que já vi na vida. Olhos verdadeiros, olhos de Baker.
Uma vez muitos anos mais tarde, já no campo profissional, relatei a minha impotência em vestir a minha primeira musa inspiradora de meus croquis, a minha amiga de infância e do nada uma experiente estilista que estava na sala deu a explicação para tudo: " Musa inspiradora a gente não corrompe com moda. Colhemos só os seus dados para criar a nossa arte. "Fulana"(se eu falar sou morto ou processado) é minha musa inspiradora eu nunca ousei criar nada para ela. Eu vejo suas roupas, sua maneira de andar,de falar e a partir dai crio, mas não para ela, minha criação não esta aos pés dela. Levo o que a de bom dela para outras que não possuem o que ela tem, mas ninguém pode saber disso." Hoje na maturidade, tendo uma proximidade maior com minha primeira musa inspiradora a minha amiga de infância, entendo tudo.
Josephine Baker foi uma mulher que batalhou por sua independência e a das mulheres de sua época. Estando sempre à frente de seu tempo era incompreendida muitas vezes por possuir uma alma singular, uma alma livre. Era exótica,inteligente e lutou pelo que acreditava, tanto ela quanto minha amiga Clau (possuidora de características similares aos da Baker) possuem uma coisa rara e que hoje em dia esquecemos, algo que vale muito mais que se trajar de Gucci, Prada e Armanis da vida, ou mesmo saber qual a última tendência da moda. Ambas são pérolas, pérolas negras, valiosas raras, possuem estilo próprio, luz própria. Essas mulheres não precisam de roupas pois elas já se vestem de alma. Não a toa quando crio algo ouço Josephine Baker e procuro na lembrança o sorriso e os olhos de minha amiga. Ambas são as Divas da minha vida.
Biografia e relação com a moda /influência nos costumes.
Frida Josephine McDonald nasceu 3 de junho de 1906 na cidade de Saint Louis no Estado americano de Missouri. Filha de de Carrie McDonald , uma lavadeira e de pai incerto ( alguns biógrafos afirmam que ela seria filha de Eddie Carson, um baterista de jazz e ator que foi certamente amante de sua mãe, ou de um vendedor ambulante de jóias ou ainda de um homem que viveu com sua mãe chamado Arthur Martin).
A Vênus Negra ou a Pérola Negra , como ficou conhecida anos mais tarde, teve uma infância difícil e pobre, no sul dos Estados Unidos, em Saint Louis, e às vezes dançava nas ruas para ganhar algumas moedas. Com a mãe e a irmã, trabalhou como empregada doméstica e lavadeira em casa de famílias abastadas da cidade. Em sua biografia ela relata as atrocidades que sofrera durante esse período, numa delas uma das senhoras para quem trabalhou chegou a lhe escaldar as mãos porque tinha gasto muito sabão.
Josephine teve sua estréia nos espetáculos de vaudeville de St. Louis aos 15 anos de idade, quando era camareira da diva negra Clara Smith , a oportunidade surgiu ao substituir uma corista que havia faltado ao show de Smith . Nesta mesma época casou- se pela segunda vez, com William Howard Baker adotando seu sobrenome, mas deixou-o dois anos depois, quando saiu de St. Louise rumou para Nova York devido à grande discriminação racial que havia na cidade .
Em Nova York, trabalhou em alguns espetáculos da Broadway, entre 1921 e 1924, onde muitos a achavam-na uma péssima corista já que ela fazia muitas caretas e que tinha olhos vesgos. Entretanto viveu em turnê pelos Estados Unidos com a Jones Family Band, atuando e dançando em várias esquetes cômicas. Quando a companhia 'rompeu-se', Baker fez testes para entrar para o coro do The Dixie Steppers mas foi recusada, por ser muito magra e muito negra.
Persistente, ela entrou para a companhia como camareira e assistindo os ensaios aprendeu todas as coreografias. Outra vez, em um dia, tornou-se substituta de uma das coristas que faltara, e seu jeito propositalmente desastrado e cômico no palco foi um dos maiores sucessos da companhia, garantindo 'casa cheia' em todas as apresentações . Durante essa época após um teste em N.Y, foi selecionada para participar de "Revue Nègre" em Paris.
Na Europa a Primeira Guerra Mundial tinha acabado em 1918, a noite fervilhava e a produção artística estava à mil devido a uma prosperidade econômica. Os espartilhos haviam sido abolidos, mudando a silhueta das mulheres que agora tinham cabelos curtos, dançavam o jazz e o charleston . As feministas queriam o sufrágio para poder votar como os homens. No meio dessa atmosfera, do burburinho das melindrosas da época, em 2 de outubro de 1925, Josephine Baker teve seu "debut" em Paris, no Théâtre des Champs-Élysées, fazendo imediato sucesso com sua dança exótica, aparecendo praticamente nua em cena, na platéia estavam sempre personalidades e formadores de opinião dentre eles os artistas Léger e Jean Cocteau, que virariam seus fãs e amigos.
Toda a apresentação de Baker era inovadora e exótica, a combinação de seu figurino ousadíssimo - uma saia feita de nada mais além de plumas - com seus movimentos desinibidos causou um frenesi antes nunca visto em Paris, influenciando a moda parisiense.
A mulher estava dando passos importantes rumo à independência, saindo das amarras do século XIX. Coco Chanel (futura amiga da diva nos anos seguintes) entrou em cena e mudou o jeito da mulher se vestir, com calças compridas e tailleur e a Pérola Negra com suas apresentações e seu jeito de encarar a vida ajudava a quebrar tabús. Não foi à toa que ela recebeu os apelidos de "Vênus negra" e "Deusa de ébano" e arrancou elogios de grandes personalidades e críticos. Extravagante e sensual, sempre se apresentando em trajes ousados, conquistou Paris e deixou muitos homens e mulheres apaixonados, alguns biógrafos chegam a afirmar que nesse período Chanel e ela tinham uma amizade “singular”.
As principais atrações de seus shows eram os bailados exóticos e os negros zulus, Josephine fazia uma dança selvagem, com as plantas do pé no chão e as pernas arqueadas, com os seios de fora e uma tanga de penas. Tinha orgulho de ser negra.
Desbocada e sexy, tornou-se estrela no ano seguinte, no Folies Bergères e no Cassino de Paris, conquistando mais fama logo. Sua primeira performance solo foi a famosa dança da banana, em que se apresentava vestida somente com uma tanga feita com as frutas. Ela rapidamente tornou-se a favorita da França. Ficou casada algum tempo com Pepito di Abatino.
Em 1929, após uma turnê na América do Sul, no navio que levava Mrs . Baker - "a mulher mais famosa do mundo" - para a Europa, foi palco para o encontro dela e do brilhante arquiteto Le Corbusier. Segundo a biografia escrita por Phyllis Rose, os dois talvez tenham sido amantes. É possível, porque o que não faltaram na vida da diva foram maridos e amantes. Além de Baker e Abatino, casou-se com Jean Lion, Joe Bouillon e Robert Brady. A lista de admiradores incluía Georges Simenon, Pablo Picasso, Alexander Calder, E. E. Cummings entre outros.
Com um salário confortável, a primeira diva negra do cinema e do teatro deu-se ao luxo de gastar com roupas, jóias e animais de estimação exóticos, como seu Leopardo chamado Chiquita(com a qual andava pelas ruas de Paris em uma coleira de brilhantes) e sua cobra chamada Kiki. Após estrelar em outros diversos shows em Paris, Josephine estabeleceu-se como a performer mais bem paga de toda a Europa e disputou o título de mulher mais fotografada do mundo com Mary Pickford e Glória Swanson. Ela estreou nos cinemas no início dos anos 30, nos filmes "Zou-zou" e "Princess tam-Tam"sucessos de bilheteria da época. Foi também nessa período que ela e sua autencidade e naturalidade inspiraram o padrão de modernidade criado por Chanel e foi ainda nessa fase que mudou-se com sua família para o Castelo de Les Milandes, em Castelnaud-Fayrac, na França.
Em 1936 ela então resolve retornar aos EUA para estrelar no Ziegfeld Follies, mas ao contrário do esperado, a população americana não aceitou ver uma mulher negra, sofisticada e poderosa como Baker no centro de um show de tamanho porte. Após críticas duras e racistas, Baker retornou para a Europa e muito magoada naturalizou-se francesa em 1937 .
Durante a 2ª Guerra Mundial, Josephine apresentou-se para tropas, tornou-se correspondente da resistência francesa e fez até mesmo parte da Força Aérea Auxiliar Feminina. Mais tarde ela foi condecorada com a Medalha da Resistência e nomeada pelo governo francês "Chevalier of the Legion of Honor". Nessa fase rompe a amizade com Coco Chanel devido aos boatos das relações da estilista com o Terceiro Reich.
Após a Guerra, a então musa de Dior ( Josephine foi também por diversas vezes, musa do célebre costureiro inventor do New Look) durante as décadas de 50 e 60 voltou aos EUA, sem se apresentar, e ajudou na luta contra o racismo e foi homenageada pela National Association for the Advancement of Colored People, tendo o dia 20 de Maio nomeado "Josephine Baker Day". Foi também nessa época que Baker começou a adotar crianças de diversas etnias e religiões, formando a família que ela carinhosamente chamava de "The Rainbow Tribe", que quase sempre a acompanhava em suas turnês.
No final dos anos 1960, passou por dificuldades financeiras e parou de se apresentar em 1968. Ao saber dos seus problemas financeiros a princesa Grace de Mônaco, sua fã, amiga e compatriota ofereceu-lhe uma casa no Principado e uma substancial ajuda. Ela então volta aos palcos para angariar fundos e pagar o “empréstimo de Grace”, como ela chamoucom seu jeito debochado e carinhoso a ajuda da amiga, se apresentando em diversas casas da Europa.
Em 1973 casou-se com Robert Brady e concorda em se apresentar no Carnegie Hall de N.Y. em comemoração aos seus cinquenta anos de carreira. Devido à sua última e traumatizante experiência nos EUA em 1936, ela fica apreensiva com a recepção do público e da crítica porém, dessa vez, ela foi recebida por uma platéia que a apaludiu de pé antes mesmo do concerto começar. Josephine ficou tão emocionada que chorou no palco. Na mesma turnê os aplausos seguiram-se na África do Sul, onde criticou o apartheid; no London Palladium, Inglaterra e em Mônaco, com grande sucesso.
No dia 8 de abril de 1975, Baker agora com 68 anos de idade, estréia no Bobino Theater, em Paris. Diante de celebridades como a Princesa Grace de Mônaco e Sophia Loren, ela apresentou um medley das principais coreografias e canções de seus 50 anos de carreira, obtendo as melhores críticas de sua vida artística. Dias depois, no entanto, Josephine entrou em coma após um derrame.
Em dia 12 de abril de 1975 Josephine Baker vem a falecer em Paris. Mais de 20.000 pessoas encheram as ruas da cidade luz para assistir à procissão de seu funeral. O governo francês honrou-a com uma saudação de 21 tiros, fazendo dela a primeira americana e única america a ter um funeral com Honras de Estado, após esta cerimônia seu corpo foi definitivamente sepultado em Monte Carlo a pedido da Princesa Grace.
Curiosidades:
- Josephine Baker esteve no Brasil pela primeira vez em 1929. Apresentou-se no Teatro Cassino, no Rio de Janeiro. Voltou em 1952 e contracenou com Grande Otelo no show "Casamento de Preto", onde cantava "Boneca de Piche" em português. Em 1963 fez uma temporada no Copacabana Palace e apresentou-se no Teatro Record, em São Paulo. Esteve pela última vez no Brasil em 1971, no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e em Porto Alegre onde se apresentou em programas de tv e casas de espetaculo da época.
- Em quase toda a história da humanidade, o ar bronzeado era socialmente desvalorizado porque a exposição ao sol era sinal da necessidade de trabalhar e estava ligada a profissões como a pesca ou a agricultura. Nas cortes europeias, as mulheres sofriam para manter a pele alva recorrendo a mezinhas muitas vezes tóxicas. Quando os banhos de mar se tornaram populares, as mulheres costumavam ser levadas até à água em carroças fechadas para não apanharem sol. Só nos anos 20 do século passado o bronzeado se torna um sinónimo de saúde e beleza, popularizado por mulheres como a estilista Coco Chanel e a Josephine Baker. A estilista teria apanhado um escaldão num cruzeiro até Cannes em 1923 e acidentalmente lançou a moda. Nos anos seguintes o tom de pele de Baker era tão invejado pelas francesas que surgem para as classes mais abastadas as primeiras cabines de bronzeamento artificial, abolidas durante e após a Segunda Guerra Mundial por estes equipamentos lembrarem fisicamente as camaras de gás.
- Em 1927, Jacques Doucet (1853-1929), estilista francês, influenciado após ver um Show de Baker subiu as saias ao ponto de mostrar as ligas rendadas das mulheres - um verdadeiro escândalo aos mais conservadores.
- Josephine Baker em seus shows foi vestida pelos mais celebres estilistas/figurinistas de sua época como Poiret, Chanel, Balmain e Dior, no entanto seu preferido era o russo Romain de Tirtoff, conhecido como Ertè, celebre figurista do seculo XX (ex assistente de Poiret) que nunca a deixou pagar por nenhum dos inúmeros vestidos produzidos por ele para a Diva.
- Divas negras da atualidade como Beyonce , Rihanna e outras, buscam inspiração no trabalho de Josephine Baker assimcomo em seu visual.
Filmografia
• La Sirène des tropiques (1927)
• Zouzou (1934)
• Princesse Tam Tam (1935)
• Moulin Rouge (1941)
• Fausse alerte (1945) ... aka The French Way
• An jedem Finger zehn (1954) ... aka Ten on Every Finger
• Carosello del varietà (1955)
• Grüsse aus Zürich (1963) (TV)
Documentario Sobre Josephine Baker
vejam o restante no Youtube são seis episódios( o primeiro esta acima):
2-http://br.youtube.com/watch?v=NlP7nOSIgBY
3-http://br.youtube.com/watch?v=8QEbG-c6tmI
4-http://br.youtube.com/watch?v=M-Z5hygBnuU
5-http://br.youtube.com/watch?v=O1R06xNDGOI
6-http://br.youtube.com/watch?v=SUDvjxg9wKE
Um comentário:
Muito boa a matéria!
Parabéns mesmo!
Postar um comentário